I want you to want me - Cheap Trick
Amélia Folques
Nas minhas idas e vindas de carro oiço muita música na rádio. Aconteceu esbarrar nesta I want you to want me dos Cheap Trick. Fiquei com o refrão a ecoar na minha cabeça, ao fim do dia acabei por parar para pensar porquê. Talvez porque seja tão difícil amar alguém que se ache auto-suficiente, concluí.
I want you to want me
I need you to need me
I'd love you to love me
I'm beggin' you to beg me
I want you to want me
Um namorado, marido, amante, companheiro o que seja que se ache auto-suficiente, hermético, fechado e reservado, que esteja revestido de uma armadura está ausente, indirectamente sabotando a relação.
Não se quer revelar, esconde-se e protege-se atrás da sua aparência soberana. Mas que erro se o outro o ama, protege-se de quê? Não será uma boa ocasião para depor as armas.
A vantagem de alguém te amar é que estás automaticamente liberto da carga do julgamento fácil, da punição, da avaliação negativa e caustica. És aceite pelo que és, com toda a carga boa e os dissabores que te completam.
Só desnudando as nossas fragilidades, expondo o nosso eu, abrindo o nosso interior é que nos damos a descobrir. Só assim a relação pode crescer, a partir da revelação, confissão completa e sincera do que vai em nós, e ser algo a dois, a partilhar, a comungar.
Amar é o acto mais desprendido e generoso que existe. Se o outro é relutante em te aceitar como és, condena-te de uma forma velada ou não os teus erros, medos, transgressões, exageros, culpas e faltas então não é amor, é outra coisa qualquer.
Como se vive com alguém auto-suficiente, tudo o resto é dispensável, tu és acessório, não és crucial? Como se chega ao outro se o outro tem um muro? Como podes pedir ajuda, apoio, se o outro não te pede? Como clamas atenção e amor se o outro não exterioriza esse tipo de sentimentos? Como mostras as tuas limitações, medos se o outro nunca os tem? Como imploras, como suplicas, como “gritas” se não fazem parte da linguagem do outro nenhuma destas expressões? Como dizes sinto a tua falta, tenho saudades se o outro nunca o verbaliza? Limpa-me as lágrimas se o outro nunca as verteu? Como se pede um abraço se o outro está refém dentro da sua torre de marfim?
Eu em particular preciso de me sentir útil, que o meu contributo seja uma ajuda, um apoio. Que recorram a mim, para eu poder dar amor, carinho, uma palavra, um sorriso, conforto. Tenho necessidade absoluta em estar lá para o objecto do meu amor, tenho uma necessidade primária que o outro se socorra em mim e o reconheça. Que necessite de mim, que precise de mim, que tenha a generosidade de pedir-me algo, o que seja, para que eu possa saber que sou peça importante nesta relação. Para me sentir valorizada porque o outro conta comigo, preciso desse protagonismo.
Uma relação é feita de meias partes que formam um todo. Não pode ser só um o vulnerável, o exposto e o outro a figura de corpo presente, impenetrável, auto-suficiente e orgulhosamente independente.
Para a relação ser biunívoca, este processo tem que fluir nos 2 sentidos. Sem armaduras, sem falsos discursos de auto preservação, sem reservas. Com uma mão cheia de nada para receber e um coração cheio de tudo para dar. Quero olhar nos olhos do outro e ver o interior, não estarem embaciados e a atitude não seja de independência e distancia. Como o estar próximo fosse uma violação do espaço e da liberdade do outro.
Porque precisamos do outro para viver e só podemos pedir esse compromisso se o outro também estiver disposto a isso, a comungar, a dividir, a partilhar, a socorrer.
Ninguém quer ser sempre a parte fraca por isso este tipo de relações dificilmente sobrevivem. Em boa verdade a parte fraca foi sempre a parte mais forte.