Constantes da vida.
Amélia Folques
Dia após dia, algo muda dentro de nós. Nunca nada fica na mesma.
A nossa percepção da vida, dos outros, do que nos envolve e rodeia.
As nossas convicções irredutíveis aos 18 anos ficaram reduzidas a nada aos 50. Deram lugar à dúvida, ficamos mais abertos e interrogativos,
As nossas certezas sofreram oscilações, agora não é tudo tão definido, tão estanque. Com a idade permitimo-nos abrir a um leque de possibilidades que a sociedade ou a nossa educação nos tinham condicionado.
O valor dos sentimentos, dos afectos que quando somos jovens tem uma dimensão desmesurada com a idade tomam outra proporção, ganham outro tamanho, outra relevância. Deixaram de ter aquela urgência em querer que as relações amorosas, de amizade ou familiares sejam perfeitas, a intensidade do amar é suavizada e humanizada, deixa de ter aquela áurea idílica. A vida ensina o equilíbrio entre o dar e receber. Deixamos de ser tão exigentes e passamos a ser mais complacentes e compreensivos.
A dinâmica das relações é alterada. Percebemos que somos todos humanos, com as nossas limitações e fragilidades.
A leveza e graciosidade da vida vão dando espaço ao peso e responsabilidade da mesma.
O que inferiorizamos, desprezamos ou ignoramos do alto da nossa vivência de 20 anos sofre uma inversão ao longo da vida. Esta ensina-nos a dar valor a tudo que para nós não era importante, de relevo ou de interesse. Tudo tem uma razão para existir e ser.
Os receios, medos que nos atormentavam foram-se enfraquecendo, a vida coloca-nos à prova e são substituídos por outros mais palpáveis e reais.
As cismas, birras e teimosias desaparecem. A futilidade ou o egoísmo da juventude que geravam essas atitudes vão deixando de existir e tornamo-nos mais permeáveis, maleáveis, menos cáusticos ou intransigentes.
A pirâmide de desejos, objectos e metas a alcançar é reinventada ao longo do percurso da vida. Tudo muda conforme o que a vida nos vai dando ou retirando. Tudo se altera perante os obstáculos ou premeios que ela te dá.
Até as nossas comidas preferidas sofrem mudanças. A interpretação das músicas vai evoluindo ao longo da vida. Os nossos gostos pelos objectos, as nossas roupas, até a decoração da casa muda consoante o estágio da vida onde nos encontramos.
Nada é permanente, tudo fluí.
A única constante são os sonhos. Esses que povoavam a nossa cabeça na juventude nunca se irão tornar reais, são só sonhos e aprendemos a aceitá-los como tal. Continuamos a alimentá-los para que não morram, não escureçam e desvaneçam nos lugares mais recônditos do nosso cérebro. Continuamos a cuidar deles como se de cristal fino, uma flor delicada se tratasse com medo de algum dia se quebrar ou murchar. Com medo de eles se esfumarem e se transformarem em nada. Não é que se tenha a pretensão de alguma vez se tornarem reais, mas sim porque nos aliviam da realidade, por vezes tão sufocante e pesada. É a forma de ausentarmo-nos por instantes, ir aquele cantinho secreto dentro de nós e respirar daquele ar, ver aquelas cores, sentir a magia, despir a capa do adulto.
Quando somos novos, jovens os sonhos é aquele local onde vamos viver um dia, a partir de uma certa idade os sonhos é aquele local onde nos refugiamos, é o portal de fuga para outro tempo, noutro espaço.
Pinturas: Margarida Cepêda / O Baptismo da rosa
Margarida Cepêda / Percorrendo o labirinto