Irritações e disrupções
Amélia Folques
Ando com esta palavra engasgada, disrupção.
É a palavra da moda, não há discurso nenhum de político, empresário, administrador, consultor, gestor, guru de qualquer treta, coach, mister ou mestre que não tente encaixar esta palavra a meio da mensagem que querem transmitir. Tenho a impressão que toda esta população pensa que a palavra tem o poder de um Big Bang.
Se gosto da palavra ou do conceito que querem divulgar? Sinceramente não, chego mesmo a abominar. Até fui aos "livros" ver se me dissuadia desta minha total rejeição pela disrupção, esclarecia melhor o conceito por detrás da palavra. E nada, a palavra para mim continua a ser desconforto e arrogância.
Tenho que ser disruptiva porquê???? Sou uma pessoa de pontes, de elos, de alianças, de aliar o passado ao futuro. Negar e dizer que o que existe está todo errado e que agora é que é, vamos criar e construir o inimaginável é falso. A ideia de quebrar e criar de novo por si só é inútil. Retirar ilações do que já foi feito e fazer uma análise séria do mesmo é valor acrescentado a tudo o que se queira desenvolver. Só avançamos se não perdemos a informação que já detemos e utilizarmos o melhor dela. Gosto da evolução, do avanço, da transformação mas como etapas a ultrapassar e atingir e não a partir de um corte. Nunca podemos desprezar as sinergias entre os vários elementos, são fundamentais para o crescimento de algo.
Disruptivo é romper. Romper com o quê??? Com o passado?? Mas tudo é resultado do passado, tudo se aprende com ele. Tudo o resto é presunção.
Talvez a minha estranheza com a palavra venha da sua origem. O prefixo dis do Latim é separação, dispersão, negação, contrário, e do Grego é dificuldade, mau estado, desgraça, contrariedade, privação.
Ou talvez seja a fonética da palavra que me incomoda, ou mesmo a associação a outras como distúrbio, dislexia, distracção, dissecação, dispensar, dissabor, disritmia, etc.
Podem modernizar ou adaptar a palavra mas em bom português está conectada com algo negativo.
É um erro fazer desta palavra a chave num discurso para a mudança, a disrupção ser o conceito por detrás da evolução, da melhoria, do novo, do crescimento da criação. Por si só acho que são visões antagónicas no progresso, no projecto evolutivo de algo.
Ninguém defende que os processos, métodos anteriores sejam os mais correctos ou eficazes., por vezes bem errados e até viciados. Mas fazem parte do que é o agora. Deve-se utilizar palavras como o melhorar, transformar, audácia, ser criativo, superar para motivar o grupo, para o empenho da equipa é evolução, crescimento, estratégia, objectivos, foco, coesão, união. Não é ser fracturante, nem desfragmentando, e muito menos com a brutalidade da palavra rasgar, sinónimos de disruptivo que se vai criar um grupo sólido, com um propósito evolutivo de crescimento.
Sou a favor do inconformismo, da interrogação, do desmontar para analisar e ver os vários ângulos das “peças”, do confronto de ideias, da mudança e modernização, na audácia nas decisões, mas nunca tendo como base o caos resultante da disrupção. Temos que ter a humildade e a sabedoria de aceitar o que existe e a bagagem que contém contra a soberba e a falácia da disrupção e assim constrói-se um futuro sustentável. Existe um equilíbrio a manter.
O que retive quando li o livro "Quem mexeu no meu queijo” é que é importante traçar planos, fazer projectos mas o foco é estar atento, sensível às mudanças e termos a abertura para fazermos parte dela, estarmos preparados para mudar e adaptar aos desafios que se apresentam perante nós. Fundamental é estarmos presentes e sermos os protagonistas desta história. E com bem se sabe história é uma sequência de acontecimentos. A história tem um fio condutor que une o passado com o presente e o futuro.