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Amelices e outros estados de alma

50 e´s ainda à procura do sentido da vida.

50 e´s ainda à procura do sentido da vida.

Amelices e outros estados de alma

31
Out17

Pão-por-Deus.


Amélia Folques

paopordeus1930.jpg

 

Detesto estrangeirismos, incomoda-me a vontade do povo Português em absorver os usos e costumes de outros povos que não têm nada a ver com a nossa forma de estar em desfavorecimento da nossa cultura popular. Um caso francamente imbecil é o famoso Halloween, caramba nem a palavra é Portuguesa, nem se deram ao trabalho de transformar em Haloeada, Haloivada ou outra coisa qualquer.

 Em Portugal para o dia 1 de Novembro já temos a festejar o Dia de todos os Santos e o dia de Pão-por-Deus.

O Pão-por-Deus é uma tradição muito antiga em Portugal. A melhor interpretação que encontro para a origem desta celebração é que originalmente era um peditório cujas esmolas eram para os mais necessitados em nome das almas dos parentes e desta comunhão nasce o Pão-por-Deus. Estas práticas caritativas tão presentes na nossa cultura e a evolução dos tempos levaram ao que hoje é o Pão-por-Deus.

Sendo hoje em dia uma festa para as crianças, a garotada saí à rua e junta-se em pequenos grupos para pedir o Pão-por-Deus porta a porta. As mães fazem os saquinhos, os saquinhos são em pano com uma corda a fechar à semelhança dos sacos de pão comuns ou já não tão comuns mas os tradicionais, só que em tamanho mais pequeno e decorados para a ocasião. As crianças batem às portas das casas e pedem o Pão-por-Deus com um verso apropriado, as pessoas oferecem bolinhos, guloseimas, rebuçados, castanhas, figos secos, maças, nozes, amêndoas, romãs, as oferendas variam dependendo da zona do país. Quem não dá uma oferenda leva com uma praga em forma de verso.

Também em certas zonas do nosso país era tradição os afilhados visitarem os padrinhos e esses oferecerem um santoro ou brindeiro, que é um pão doce. Actualmente será mais um pretexto para os padrinhos darem algo aos afilhados e não um pão doce certamente.

 Na Madeira esta tradição mantem-se muito viva e é cultivada nas escolas, no Continente nem por isso. O famigerado, comercial e carnavalesco Halloween tomou conta do dia.

Questiono as famílias que já tiveram essa tradição, as escolas que deveriam acima de tudo ter o dever de ensinar, cultivar e preservar a nossa cultura popular o porquê de não haver interesse em manter a tradição do Pão-por-Deus. Constata-se é a promoção entusiástica de algo que não é nosso. Eu sei que a nossa festa não tem o carácter folclórico do Halloween, não mete caveiras nem bruxas, morcegos, nem doçura ou travessura. Temos uns versos para dizer na altura de fazer o suposto "peditório" mas não mete adereços e efeitos especiais. Gosto mais da nossa tradição é mais genuína e autêntica. Vai há essência da celebração, ao real motivo do dia que é o encontro do dar e partilhar entre humanos e não na celebração de bruxas.

Este texto é para a minha afilhada Clara (Funchalense) que está a estudar em Lisboa e diz muito triste aqui em Lisboa ninguém sabe o que é o Pão-por-Deus.  

26
Out17

Sitiados e 25 anos


Amélia Folques

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O que é bom, tem genialidade e qualidade é intemporal. Acho piada quando os meus filhos identificam uma música como sendo deles e eu já a ouvia bem antes de eles existirem, enfim já era minha. Os Sitiados é um exemplo dessas bandas que os jovens ouvem e as têm como actuais e de culto e já cá andam há décadas.

Ouvir música é daquelas satisfações que não prescindo. Ouvir os Sitiados é e foi sempre uma alegria. Não sou propriamente uma musicóloga , mas sei do que gosto e me dá prazer.

Fui surpreendida com a notícia que os Sitiados vão lançar uma reedição comemorativa de 25 anos, o primeiro álbum homónimo desta banda rock. Imaginem 25 anos depois, com mais de 20 temas extras, maravilha. Gostei da notícia, é sempre bom redescobrir e reinterpretar o que já conhecemos, antecipo momentos que serão bem passados.

Quem não sabe a letra “Esta vida de marinheiro” e a canta entusiasticamente ou mesmo a "O baile”, ou “Vamos ao circo”, “A noite”, “ A formiga no carreiro”. São músicas que nos ficaram na memória, e que as ouvimos com puro agrado. São músicas que puxam por nós, dificilmente ficamos estáticos ao ouvir Sitiados, exigem de nós movimento e inclusivamente somos convidados a ser coro. Músicas bem estruturadas, com ritmo, bem encadeadas, uma sonoridade com graça e jovialidade, que nos dispõem e ficamos bem com a vida.

A magia da música passa por nos dar o estado de espírito da mesma. E com os Sitiados o espírito é sempre positivo, com um laivo de sentido de humor. Ninguém fica indiferente a esta banda tão emblemática da nossa juventude e agora dos nossos filhos.

Será certamente uma prenda para dar este Natal a muita gente. Só espero que venha acompanhada com a versão em vinil.

 E como diria outro músico recordar é viver.

Obrigada Sitiados por não se esquecerem de nós.

 

blitz-Álbum de estreia dos Sitiados reeditado 25 anos depois

observador-João Aguardela: o miúdo do bairro “não queria saber onde era o fim”

24
Out17

A justiça dos homens.


Amélia Folques

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1 Mas Jesus foi para o Monte das Oliveiras. 
2 Pela manhã cedo voltou ao templo, e todo o povo vinha ter com ele; e Jesus, sentando-se o ensinava. 
3 Então os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; e pondo-a no meio, 
4 disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. 
5 Ora, Moisés nos ordena na lei que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes?
6 Isto diziam eles, tentando-o, para terem de que o acusar. Jesus, porém, inclinando-se, começou a escrever no chão com o dedo. 
7 Mas, como insistissem em perguntar-lhe, ergueu-se e disse- lhes: Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra. 
8 E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. 
9 Quando ouviram isto foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, até os últimos; ficou só Jesus, e a mulher ali em pé. 
10 Então, erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém senão a mulher, perguntou-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?


João 8:1-10

20
Out17

I want you to want me - Cheap Trick


Amélia Folques

ctrich0.jpg

Nas minhas idas e vindas de carro oiço muita música na rádio. Aconteceu esbarrar nesta I want you to want me dos Cheap Trick. Fiquei com o refrão a ecoar na minha cabeça, ao fim do dia acabei por parar para pensar porquê. Talvez porque seja tão difícil amar alguém que se ache auto-suficiente, concluí. 

I want you to want me

I need you to need me

I'd love you to love me

I'm beggin' you to beg me

I want you to want me 

Um namorado, marido, amante, companheiro o que seja que se ache auto-suficiente, hermético, fechado e reservado, que esteja revestido de uma armadura está ausente, indirectamente sabotando a relação.

Não se quer revelar, esconde-se e protege-se atrás da sua aparência soberana. Mas que erro se o outro o ama, protege-se de quê? Não será uma boa ocasião para depor as armas.

 A vantagem de alguém te amar é que estás automaticamente liberto da carga do julgamento fácil, da punição, da avaliação negativa e caustica. És aceite pelo que és, com toda a carga boa e os dissabores que te completam.

Só desnudando as nossas fragilidades, expondo o nosso eu, abrindo o nosso interior é que nos damos a descobrir. Só assim a relação pode crescer, a partir da revelação, confissão completa e sincera do que vai em nós, e ser algo a dois, a partilhar, a comungar.

Amar é o acto mais desprendido e generoso que existe. Se o outro é relutante em te aceitar como és, condena-te de uma forma velada ou não os teus erros, medos, transgressões, exageros, culpas e faltas então não é amor, é outra coisa qualquer.

Como se vive com alguém auto-suficiente, tudo o resto é dispensável, tu és acessório, não és crucial? Como se chega ao outro se o outro tem um muro? Como podes pedir ajuda, apoio, se o outro não te pede? Como clamas atenção e amor se o outro não exterioriza esse tipo de sentimentos? Como mostras as tuas limitações, medos se o outro nunca os tem? Como imploras, como suplicas, como “gritas” se não fazem parte da linguagem do outro nenhuma destas expressões? Como dizes sinto a tua falta, tenho saudades se o outro nunca o verbaliza? Limpa-me as lágrimas se o outro nunca as verteu? Como se pede um abraço se o outro está refém dentro da sua torre de marfim?

Eu em particular preciso de me sentir útil, que o meu contributo seja uma ajuda, um apoio. Que recorram a mim, para eu poder dar amor, carinho, uma palavra, um sorriso, conforto. Tenho necessidade absoluta em estar lá para o objecto do meu amor, tenho uma necessidade primária que o outro se socorra em mim e o reconheça. Que necessite de mim, que precise de mim, que tenha a generosidade de pedir-me algo, o que seja, para que eu possa saber que sou peça importante nesta relação. Para me sentir valorizada porque o outro conta comigo, preciso desse protagonismo.

Uma relação é feita de meias partes que formam um todo. Não pode ser só um o vulnerável, o exposto e o outro a figura de corpo presente, impenetrável, auto-suficiente e orgulhosamente independente.

 Para a relação ser biunívoca, este processo tem que fluir nos 2 sentidos. Sem armaduras, sem falsos discursos de auto preservação, sem reservas. Com uma mão cheia de nada para receber e um coração cheio de tudo para dar. Quero olhar nos olhos do outro e ver o interior, não estarem embaciados e a atitude não seja de independência e distancia. Como o estar próximo fosse uma violação do espaço e da liberdade do outro.

Porque precisamos do outro para viver e só podemos pedir esse compromisso se o outro também estiver disposto a isso, a comungar, a dividir, a partilhar, a socorrer.

Ninguém quer ser sempre a parte fraca por isso este tipo de relações dificilmente sobrevivem. Em boa verdade a parte fraca foi sempre a parte mais forte. 

18
Out17

Não fico no sofá.


Amélia Folques

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Conseguiram que eu fosse a uma manif, eu que nunca tinha alinhado em nenhuma. Os meus actos de cidadania resumem-se a ajudar alguma organização que me peça colaboração, ir votar, ser civilizada, pagar os meus impostos e manter-me minimamente informada do que me rodeia. Enfim sou muito fraca em termos de intervenção cívica. Já tinha feito aqui no meu blog o meu Mea Culpa num texto  (Eu cidadã acuso-me ...) quando aconteceu a tragédia de Pedrogão. Aceito e assumo que me atirem á cara que parte da culpa reside em nós, povo manso, conformado e resignado, que não se faz ouvir.

Quando apareceu a convocatória nas redes sociais que iria haver uma manifestação de homenagem às vítimas, em defesa do nosso património florestal, do nosso interior disse a mim mesma está na hora de te juntares ao teu povo. Vai ser mais uma voz de um Portugal esquecido, enlutado e sofrido.

Apesar da maioria das pessoas que me rodeiam dizer que era um disparate, que não vale a pena, tudo fica na mesma. Para mim não. O que aconteceu é demasiado grave para não tomar posição física no meu protesto, no meu apoio ao meu povo, a minha solidariedade embora débil tem que acontecer. Reorganizei a minha vida, pois não sou sozinha tenho família que depende de mim. E fui.

Ainda bem que fui. Tive a oportunidade de ver como o nosso povo é educado, cordato, é solidário, é voluntarioso e generoso. A noite estava chuvosa, a manif foi convocada no mesmo dia e mesmo assim a praça em frente do Palácio de Belém estava repleta de anónimos, familiares das vítimas que estavam ali para expressar a sua tristeza, o sentimento de abandono que o nosso povo foi remetido nestas tragédias, a injustiça a que foram submetidos. Estávamos lá para dar rosto às vítimas que não podiam lá estar, pelos mortos, feridos, despojados. Estávamos lá porque queremos um futuro sustentável. Estávamos lá para dizer que somos um todo.

Eu quero que isto nunca mais se repita, eu quero que o Governo cumpra para o que está mandatado e entre milhares de coisas está o essencial, o cerne da Governação, o povo. Eu quero que garantam as políticas de segurança pública, de proteção e socorro á população e ao nosso território. Essas premissas são sagradas.

A manifestação era feita por todo tipo de gente e de todas faixas etárias, embora o número de jovens entre os 20 e os 30 anos fosse bastante significativo.

Não houve expressão política na manifestação, isto é, não havia ninguém identificado como pertencente a alguma ala politica, não surgiram grupos nesse sentido. O que aconteceu é que no meio das palavras de ordem que se gritavam como acorda Portugal, vergonha, justiça ou mesmo vai de férias havia uns elementos que tentavam introduzir palavras mais fracturantes e radicais sem sucesso. A multidão não os seguiu, efectivamente os repudiou. Foi tudo feito com a máxima dignidade e cidadania.

Fizemos o nosso minuto de silêncio pelas vítimas na maior paz.

O hino foi cantado, é sempre uma forma de nos agregar, dar-nos identidade. Esta manifestação também é disso que trata não perder as raízes, não esquecer donde viemos, quem somos.

Sábado continuarei nesta missão. Juntar-me ao coro de vozes e fazer ouvir o povo.

Acorda Portugal o povo somos todos nós.

Somos um povo respeitoso, merecemos respeito.

Somos um povo digno, exigimos dignidade.

Basta, não somos piegas nem infantis somos Portugueses.

16
Out17

Vergonha Nacional


Amélia Folques

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Domingo, um calor sufocante que me tirou as forças para fazer alguma coisa fora de casa. Passei a tarde a ver filmes no sofá com a família. Ao fim do dia fui ao facebook e aí deparei-me com o horror que estava a acontecer em todo o país. Não queria acreditar, outra vez, novamente, o colapso das nossas forças de protecção, dos nossos governantes. A falta de acção para prevenir, a falta de resposta perante a desgraça.

Vi os telejornais, debates e directos na tv.

 O povo entregue a si próprio, sem meios e parcos apoios a salvar os seus bens. A loucura nas estradas e autoestradas onde o desespero faz com que tentem a viagem em contramão, as pessoas a tentar salvar as suas casas, os animais, o seu sustento, o seu negócio. A ajudar um familiar, o vizinho, o amigo. O desespero de não conseguir contactar com os seus. Os depoimentos de frustração e tristeza perante a catástrofe do povo. As imagens do esforço sobre-humano dos bombeiros, as imagens do seu desânimo e derrota perante o fogo. O choro em directo dos afectados que me oprime e humilha perante a minha total impotência.

As declarações ocas dos nossos governantes descabidas, vazias, repetitivas e sem efeito prático no terreno.

Desde Junho que ando indignada com o MAI, a sua inoperância, desarticulação, desorganização, ineficácia são gritantes, mesmo ensurdecedores. O MAI é o responsável pela execução das políticas de Segurança, Protecção e Socorro, o MAI falha completamente mais uma vez.

Que país é este? Não é o meu país de certeza. É um país onde o Estado deixou órfão o seu povo.

Deitei-me, já passava da uma da manhã com uma angústia e vergonha de ser Portuguesa infinita.

13
Out17

Constantes da vida.


Amélia Folques

cepeda_rosa.jpg

 

 

Dia após dia, algo muda dentro de nós. Nunca nada fica na mesma.

A nossa percepção da vida, dos outros, do que nos envolve e rodeia.

As nossas convicções irredutíveis aos 18 anos ficaram reduzidas a nada aos 50. Deram lugar à dúvida, ficamos mais abertos e interrogativos,

As nossas certezas sofreram oscilações, agora não é tudo tão definido, tão estanque. Com a idade permitimo-nos abrir a um leque de possibilidades que a sociedade ou a nossa educação nos tinham condicionado.

O valor dos sentimentos, dos afectos que quando somos jovens tem uma dimensão desmesurada com a idade tomam outra proporção, ganham outro tamanho, outra relevância. Deixaram de ter aquela urgência em querer que as relações amorosas, de amizade ou familiares sejam perfeitas, a intensidade do amar é suavizada e humanizada, deixa de ter aquela áurea idílica. A vida ensina o equilíbrio entre o dar e receber. Deixamos de ser tão exigentes e passamos a ser mais complacentes e compreensivos.

A dinâmica das relações é alterada. Percebemos que somos todos humanos, com as nossas limitações e fragilidades.

A leveza e graciosidade da vida vão dando espaço ao peso e responsabilidade da mesma.

O que inferiorizamos, desprezamos ou ignoramos do alto da nossa vivência de 20 anos sofre uma inversão ao longo da vida. Esta ensina-nos a dar valor a tudo que para nós não era importante, de relevo ou de interesse. Tudo tem uma razão para existir e ser.

Os receios, medos que nos atormentavam foram-se enfraquecendo, a vida coloca-nos à prova e são substituídos por outros mais palpáveis e reais.

As cismas, birras e teimosias desaparecem. A futilidade ou o egoísmo da juventude que geravam essas atitudes vão deixando de existir e tornamo-nos mais permeáveis, maleáveis, menos cáusticos ou intransigentes.

A pirâmide de desejos, objectos e metas a alcançar é reinventada ao longo do percurso da vida. Tudo muda conforme o que a vida nos vai dando ou retirando. Tudo se altera perante os obstáculos ou premeios que ela te dá.

Até as nossas comidas preferidas sofrem mudanças. A interpretação das músicas vai evoluindo ao longo da vida. Os nossos gostos pelos objectos, as nossas roupas, até a decoração da casa muda consoante o estágio da vida onde nos encontramos.

Nada é permanente, tudo fluí.

A única constante são os sonhos. Esses que povoavam a nossa cabeça na juventude nunca se irão tornar reais, são só sonhos e aprendemos a aceitá-los como tal. Continuamos a alimentá-los para que não morram, não escureçam e desvaneçam nos lugares mais recônditos do nosso cérebro. Continuamos a cuidar deles como se de cristal fino, uma flor delicada se tratasse com medo de algum dia se quebrar ou murchar. Com medo de eles se esfumarem e se transformarem em nada. Não é que se tenha a pretensão de alguma vez se tornarem reais, mas sim porque nos aliviam da realidade, por vezes tão sufocante e pesada. É a forma de ausentarmo-nos por instantes, ir aquele cantinho secreto dentro de nós e respirar daquele ar, ver aquelas cores, sentir a magia, despir a capa do adulto.

Quando somos novos, jovens os sonhos é aquele local onde vamos viver um dia, a partir de uma certa idade os sonhos é aquele local onde nos refugiamos, é o portal de fuga para outro tempo, noutro espaço.

 

labirinto_cepeda.JPG

 

Pinturas: Margarida Cepêda / O Baptismo da rosa

               Margarida Cepêda / Percorrendo o labirinto

11
Out17

Tullius Detritus


Amélia Folques

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Comecei a ler a banda desenhada do Astérix o irredutível Gaulês teria eu os meus 7 anos.

 Aprendi mais sobre História do Império Romano ao ler estes livros do que no meu secundário e liceu. Aprendi geografia e ainda mais surpreendente foi que aprendi sobre a natureza humana. A figura que me inspirei hoje está no livro do Astérix, a Zaragata, Tullius Detritus. 

Uma das minhas personagens de eleição é o fabuloso e traiçoeiro Tullius Detritus, personagem inesquecível. Durante a minha vida sou recorrentemente presenteada com estes seres abjectos. Geralmente tem uma aparência amarelada, sinuosa e solícita, mesmo serviçal, e levam um sorriso meio tolo estampado na cara.

 Hoje tirei o dia para os homenagear, porque ser Tullius Detritus é uma arte. Este tipo de gente maquiavélica, que vivem para fragmentar, dividir para reinar. Semeiam a discórdia, suscitam a dúvida de uma forma leve mas fatal. Como qual planta nociva alastra e destrói tudo à volta, sempre rasteira ao chão, ocultada pela restante vegetação. Geram á sua volta um ambiente de suspeita, instabilidade constante. Não criam nem desenvolvem nada de valor, não se pode identificar nada de nobre ou maior no seu trabalho. Servem somente para se engrandecerem aos olhos de outros, meros serviçais que o seu único e efémero poder é destruir para outro reinar.

  A única dúvida que tenho é se eles têm consciência que serão sempre “lagartixas”, nunca irão muito acima na escala hierárquica do poder onde se deslocam. É que quem nasce para lagartixa nunca chega a jacaré, já diz a sabedoria popular.

 Andam a pular entre os diversos grupos onde querem ter área de influência, servindo, bajulando passando a imagem do pássaro da paz e da concórdia, o mensageiro da harmonia e compreensão.

Por trás vão denegrindo, confundindo, entrecruzando informação descontextualizando a mesma, desvirtuando acções. Nunca fazem um ataque frontal, nunca encaram quem querem eliminar de frente, são capazes de te dar 2 sonoros e repenicados beijos, um forte aperto de mão e a seguir uma picada fatal, qual cobra cuspideira. Na teia de relações que o grupo desenvolve eles vão sistematicamente fragilizando as mesmas, minando as opiniões dessas pessoas de uma forma muito suave mas indelével, corrosiva sem ser abrasadora. Têm um talento especial para fomentar o ódio e disseminar a discórdia numa forma sub-reptícia, sempre camuflada e na sombra.

 A minha arte é identificar um Tullius Detritus à légua, o meu azar é ter que viver com eles. Não me dou ao trabalho de os denunciar pois a maioria das pessoas os classificam como boas pessoas, não percebem que estão a ser usadas e manipuladas, não percebem ou não querem perceber o tóxico que é essa pessoa. O perigo é que estamos infestados deles e minam tudo que seja desenvolvimento, relações, conhecimento, crescimento. O nosso país é propenso a gerar esta estirpe de gente.

 O incrível é quando se desencadeia a zaragata eles nunca estão lá. O grupo perde a força a coesão, a unidade e atacamo-nos, insultamo-nos, agredimo-nos verbalmente ou não e ele saí ileso, imaculado. Ele saí de cena de fininho. Ninguém se lembra quem originou o caos nem as causas do mesmo.

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09
Out17

A rosa púrpura do Cairo


Amélia Folques

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O 1º filme de que me lembro foi o “Tarzan” a preto e branco num cinema em Bissau. Foi avassalador, aterrorizante e misterioso. Depois lembro-me de outros filmes que me encantaram na minha infância como “Uma ilha no tecto do mundo” que vi no antigo Tivoli, a partir daí acho que gostei de quase tudo que me aparecesse na grande tela. Na minha juventude adorava ir ao cinema e continuei até casar.

Casei, depois vieram os filhos, passei a ver filmes para crianças eram essas a minhas idas ao cinema. Só havia um escape para filmes de “crescidos” que era com a minha querida amiga Rosa. A Rosinha tinha bilhetes para as “premières” no cinema Casino no Funchal. Como o marido, o meu querido amigo José Luis (não prescindia da bola á quarta-feira pois era doido pelo Porto e Nacional), lá íamos nós maravilhosas ao cinema.

Dessa saga ainda me lembro do “Náufrago” com o Tom Hanks, quando saí do cinema vinha sem ar com tanta água que o filme meteu. E é essa a minha relação com o cinema, envolvo-me de tal maneira, embrenho-me na história que a vivo como se tivesse do outro lado da tela. Choro, rio, nado, afogo-me, voo, questiono, aconselho, conforto, oriento, enfim participo tudo no meu assento. Já saí do cinema com um peso tão grande no peito, com uma angústia tão profunda como se tivesse mesmo vivido toda a história, como se fosse a protagonista do filme por isso deixei de ver dramas.

Talvez por isso goste tanto do filme “A rosa púrpura do Cairo” aquela linha que divide a realidade da ficção é tão ténue.

Adoro filmes de amor com finais felizes, porque deve ser o único local do planeta que esse conceito funciona na perfeição. Comédias tipo loucuras do Almodovar,”Potiche” ou “Gaiola dourada”, da ligeireza do “Mamma Mia” sou fã. Acção adoro, 007 sobretudo dos clássicos. Policiais dou a vida por um bom crime, exemplo disso é o “Vestida para matar” bem e tudo o resto.

Dos inesquecíveis tenho “E tudo o vento levou”, ”Pretty woman”  e o mais intrigante “Querelle “ do Fassbinder, o último por razões que não tem nada a ver com o filme pois na altura não percebi nada do que estava acontecer, vi-me arrastada para fora do cinema antes de perceber a história, ainda não sei se havia história efectivamente, tenho que o ver novamente.

É a 7ª arte, dá-nos a hipótese de termos tantas experiências, tantos conflitos, sentimentos, emoções durante o espaço que estamos entregues a ela.

É cor, história, música, nervos, emoções, magia tudo ali concentrado. Quando as luzes se apagam tudo é possível …. Reinvento-me milhares de vezes.

 

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03
Out17

A Igreja e eu.


Amélia Folques

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Gosto de ir a uma Igreja.

Gosto do silêncio, da paz, da tranquilidade, da luz discreta e do frio de uma Igreja.

Gosto de me sentar naqueles bancos de madeira e ficar a “falar”, sendo as imagens religiosas as únicas testemunhas das minhas preces, dos meus agradecimentos, das minhas súplicas e dos meus arrependimentos.

Quanto mais antiga a Igreja for, mais fria e austera mais reconfortada e apoiada me sinto. Toda aquela envolvência ajuda-me a concentrar no meu acto e evita dispersar-me com coisas supérfluas ou perfeitamente dispensáveis. Também por saber que está la há séculos ouvindo e ajudando tanta gente, gente como eu, que me transmite aquela sensação de porto seguro. Precisamente o que procuro.

O que não gosto é que as Igrejas cumpram horários cada vez mais apertados. É recorrente ir a uma Igreja e estar fechada. Faz-me confusão só acontecerem duas missas por dia, havendo dias que só há uma missa. Faz-me confusão os horários das missas, não estão minimamente adaptados para a população que trabalha, a missa da manhã às 9h. A essa hora já está tudo no local de trabalho ou a caminho dele, a da tarde às 18:30 para quem tem filhos calha precisamente na hora de andar a recolhê-los ou a levar para uma qualquer actividade extra-curricular.

Só me resta ir lá para uns minutos de recolhimento. E mesmo assim temos que ter atenção pois as Igrejas ao longo do dia fecham, sabe lá Deus porquê…

Se é por uma questão de segurança retirem as imagens, peças, quadros que estejam mais propensos a sofrerem assaltos. Substituam por outras menos cobiçadas mas deixem o espaço aberto para os fiéis fazerem as suas orações.

Dei-me ao trabalho de fazer a comparação do tempo de utilização de uma Igreja católica e um templo muçulmano. Uma mesquita está aberta das 5:30 da manhã mais ou menos até às 21:30 mais ou menos, com 5 momentos de oração com o Imã. Não peço 5 missas ao dia, só queria que houvesse pelo menos uma que coincidisse com a minha parca disponibilidade, aprecio uma boa missa, uma excelente homilia.

A Igreja católica tem uma grande dificuldade em adaptar-se aos tempos actuais, á vida dos seus fiéis. A Igreja deveria estar sempre aberta aos fiéis, a postura é a contrária. Nós recorremos a Ela porque Ela existe para nos ajudar, servir, orientar, alimentar as nossas necessidades.

 Podia fazer como os muçulmanos e andar com um tapete, ou também podia rezar em qualquer local. Mas preciso da abstracção de uma Igreja, estar na quietude da Casa do Senhor para me dedicar às minhas orações.

 

Foto:Igreja de São João Evangelista (Igreja do Colégio) Funchal.

Onde ouvi as melhores missas com o Sr. Padre Mário Casagrande

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