Eu sou o teu polícia.
Amélia Folques
Tenho horror a este tipo de iniciativas. Dar poder a um cidadão para denunciar, incriminar o outro. Neste caso porque o outro cidadão gasta demasiada água.
Ao ler o artigo “E se desperdiçar água fosse uma contraordenação? Juristas do Porto levam proposta ao Parlamento” deparei-me com o seguinte texto: “Se tenho um vizinho que não corta o mato perto de casa eu próprio posso denunciá-lo, ora se tenho um vizinho que não controla a gestão do consumo de água e deixa a mangueira a correr poderei fazer o mesmo”, pensei eu não seria mais razoável e humano falar com o vizinho. Se a cidadania fosse algo que não tivesse que passar pelo policiamento do outro e sim pela educação cívica. É doentio, lembra-me tempos de ditadura quando se punha um cidadão a denunciar, a vigiar o vizinho com as mais variadas desculpas de democracia do Estado, em defesa de uma Sociedade saudável.Este tipo de medidas cria déspotas.
O mais grave é que o principal desperdiçador de água em Portugal não é o consumidor anónimo, doméstico. Citando um artigo no Público sobre desperdício de água em Portugal “…no todo do país, é evidente o desperdício, com “mais de metade da água” a perder-se em roturas e infiltrações em 25 municípios, e com outros 29 municípios a revelarem perdas “entre 40 e 50%”…”. Chocante não é, mas vamos denunciar o vizinho porque tem um cão que ladra muito e ainda por cima dá banho ao mesmo ou tem um jardim lindo e rega-o, ou uma piscina extra-large e eu ali sem nada disto e tão poupadinha com os meus consumos de água.
Para quem não saiba o sector doméstico, é aquele que menos consome água, já que a pecuária e a agricultura gastam “70 a 80% do total deste recurso”. Suponho que toda indústria gaste bastante água, sobretudo a da celulose e não está referida nas deliberações deste advogado e do jurista do Porto que querem criar esta lei que potencia a vigilância aos cidadãos.
Mas vamos ao que é fácil, penalizar o vizinho, ou o triste que se entretém com a sua horta urbana, porque a informação dos gastos do consumo de água dos grandes produtores agrícolas certamente será barrada ao público. Isto de cultivar tomate e alface na cidade tem que ser alvo de controlo. Esta coisa de pôr uma máquina a lavar roupa ou louça durante o dia é muito mau, tem que se programar as máquinas lá para as 3 da manhã que é quando é mais ecológico e prejudicar o sossego dos vizinhos de madrugada. Pelo andar da carruagem tomar um banho relaxante de imersão pode ser motivo para uma denúncia.
Então vamos estar de olho no cidadão comum, como nós. Quem devia gerir este bem precioso, e não desperdiçar fica fora desta contraordenação. Mais do mesmo.
O grande safava-se, o grande empresário ou mesmo o que pertence á máquina do Estado. O pequeno fica sujeito à mesquinhez ou insensatez do vizinho. Que além de ter os defeitos já mencionados tem problemas de relacionamento pois não consegue ter uma atitude proactiva e adulta em defesa do meio ambiente e das relações humanas. Tem o síndroma do bom aluno a fazer queixinhas ao professor e só fica contente quando o outro levar umas valentes reguadas.
Só queria mesmo uma contraordenação para todas e quaisquer tentativas “pidescas”.
Não se esqueçam e nem subestimem a última palavra dos Lusíadas, inveja, o nosso inconsciente colectivo no seu pior.
Nota: ambas as imagens são do rio Rabaçal em Trás-os-Montes onde no Verão já lá tomei belos banhos numa água limpa e onde se nada sem pé.
Esta última foto tirei em Outubro, O rio estava seco. Sou a favor de uma cultura, educação cívica e não de uma cultura de espionagem e denuncia. Este problema é de todos e é para ser tratado de uma forma séria.
De uma margem à outra sem molhar os pés. A seca levou a água do Rabaçal